sábado, 16 de abril de 2011

Pé na tábua (não sei a autoria)

Observação inicial: um texto de uma prova de português da 6ª série. Tirei 6,5. Mas achei o texto ótimo! Não sei de quem é, como a maioria dos postados aqui. 

Mário de Tal, vulgo Pé na Tábua, considerado pela maioria como inimigo público, mas fichado na Inspetoria de trânsito como motorista profissional, saiu do café mastigando um palito, entrou no lotação que deixara à porta do motor ligado, olhou os passageiros que esperavam resignadamente o início da viagem e, com o ar superior dos que comandam, atirou o palito pela janela e pôs o carro em movimento.

Mário de Tal, vulgo Pé na Tábua, ganhando pouco, mas correndo muito, na esperança de fazer mais uma viagem e receber mais uns trocados, ia em demanda do centro, Via Túnel Novo.

Pé na Tábua, na altura do Lido, xingara a mãe de um colega que lhe fechara a frente, na ânsia de disputar-lhe o passageiro. O palavrão que resultou da fechada saiu sonoro, isolado, indiscutível, o que nos leva a considerar que pelo menos as senhoras bem nascidas (não faço idéia do que signifique isso para o autor) devem seguir o conselho do aviso e "não falar com o motorista".

Mário de Tal, vulgo Pé na Tábua, não ficou só nisso não. Ao entrar na Princesa Isabel, fê-lo com um sinal fechado, quase atropelando um senhor gordo e lento, que apesar dos pesares, correu a bom correr. Parecia que Mário de Tal, lá no seu íntimo, lamentava o fato de o homem gordo ter escapado às rodas do lotação, castigo que bem merecia por confiar ingênuo num sinal de trânsito favorável.

Mário de Tal, mesmo sob os protestos de um cavalheiro do terceiro banco, entrou na contramão diversas vezes, assim como tocou a buzina em frente ao hospital e não diminuiu a velocidade quando passou em frente ao colégio. Parou em cima da faixa, recolheu passageiros sem encostar no meio-fio e acenou com intimidade para o guarda que encontrou em seu acidentado intinerário. 

Depois que olhou para trás a fim de verificar se já ia lotado, operação que executou sem diminuir sequer a marcha, Mário de Tal redobrou seus malabarismos de cowboy do asfalto e tornou-se mais Pé na Tábua do que nunca. Não havia mais lugar no carro, logo também não havia motivo para continuar a oitenta por hora, como pediam as tabuletas, pregadas nos postes ao longo da pista. 

Mas, de repente - e ninguém diria que um camarada com aquela auto-suficiência pudesse fazer uma coisa assim - Mário de Tal, vulgo Pé na Tábua, deu uma travada violenta, os passageiros foram atirados uns contra os outros, o carro derrapa, um segundo golpe de direção é tentado em vão e os gritos assustados da mulheres confundem-se com o barulho do choque do lotação com o muro. Pronto! Agora terá que indenizar a companhia pelo estrago, agora terá que discutir e talvez até brigar com os passageiros, mas, em compensação, Mário de Tal, vulgo Pé na Tábua, considerado pela maioria como inimigo público, salvou a vida de um vira-lata que se pusera à frente de seu carro. 

E não adiantava - porque ninguém entenderia - explicar aos outros que tudo aconteceu porque, ao ver o vira-lata, lembrara-se de que seu filho tivera em vida um cachorrinho igual.

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